COLUNISTA – HANS HERRMANN, UMA LENDA

O desenho, retratando o momento da íncrivel passagem do Porsche 550 de Hans Herrmann e Herbert Linge, pela via férrea na Mille Miglia de 1954.

 

Narrada nos dias de hoje, a cena parece inacreditável − coisa de filme ou da mente alucinada de um avô contador de histórias. Mas aconteceu e teve testemunhas.
Foi na MilleMiglia, em 1954. Um Porsche 550 estava a plena aceleração quando, logo à frente, surgiu uma via férrea cruzando a estrada. Não haveria nada de mais se não fosse o fato de a cancela estar abaixando e um trem se aproximando.
Um rapidíssimo exame visual foi suficiente para o piloto constatar que não haveria tempo de parar. Decisão tomada no último instante: acelerar ainda mais e passar por baixo da cancela, não sem antes dar ao co-piloto uma ordem como “abaixe-se!”.
Os dois ocupantes do Porsche escaparam por poucos centímetros de serem atingidos pelo trem − e, também, de terem as cabeças decepadas pela cancela. Não apenas escaparam como estão vivos até hoje. Um deles, o co-piloto, era Herbert Linge. E o piloto era Hans Herrmann (baixo), aniversariante do dia, hoje 23 de fevereiro.

Nascido em Stuttgart, Hans Herrmann tornou-se um dos pilotos lendários da história da Porsche. Teve uma carreira das mais longas entre os pilotos de sua geração (18 anos) e correu em todas as categorias mais importantes de sua época − incluindo a Fórmula 1, onde conseguiu como melhor resultado um terceiro lugar no GP da Suíça de 1954. Nesses 18 anos, venceu mais de 80 corridas, entre ralis, subidas de montanha, endurance e monopostos.
Herrmann começou em 1952, pilotando seu próprio Porsche 356 em ralis, subidas de montanha e regularidade. Seus desempenhos chamaram a atenção do gerente de competição da Porsche, Huschke von Hanstein, que contratou-o para a equipe de fábrica em 1953. A estréia não poderia ser melhor: vitória na classe até 1.500 cm³ na 24 Horas de Le Mans, em dupla com Helm Glöckner, ao volante de um Porsche 550 Coupé. No final do ano, o jovem Herrmann conquistou o título alemão de carros esporte.
Para 1954, Alfred Neubauer, diretor de competições da Mercedes-Benz, convidou Herrmann para integrar-se à equipe que disputava os Grand Prix, tendo como companheiros Juan Manuel Fangio, Stirling Moss e Karl Kling. O convite foi aceito, mas Herrmann continuou correndo pela Porsche em provas de carros esporte. Com um 550 Spyder, obteve importantes vitórias (na classe para carros de menor cilindrada) na Carrera Panamericana e… na Mille Miglia − a mesma onde escapou do trem.

Na Mille Miglia de 1954, dupla Hans Herrmann e Herbert Linge terminou em sexto lugar na geral e em primeiro entre os carros esportes de até 1,5 litros.

Anos mais tarde, em 1960, Herrmann formou dupla com o belga Olivier Gendebien e venceu, com um Porsche 718 RS 60, a 12 Horas de Sebring, nos Estados Unidos. Foi a primeira vitória da Porsche na classificação geral de uma prova do Mundial deEndurance. Herrmann venceu também a Targa Florio (em dupla com Joakim Bonnier, em um RS 60) e se consagrou campeão europeu de Fórmula 2 (com um Porsche 718/2).

Hans Herrmann no Gp da Holanda de 1961.

Após quatro anos como piloto da Abarth, Herrmann voltou à casa de Stuttgart em 1966. Participava de competições e fazia também testes de desenvolvimento dos produtos da fábrica no então novíssimo centro de desenvolvimento da Porsche, em Weissach. Os dois últimos anos de sua carreira foram repletos de emoções.

Em 1969, ele foi um dos pilotos responsáveis pela conquista do título mundial de Marcas pela Porsche. Também protagonizou a “ronde infernale” da 24 Horas de Le Mans − uma batalha titânica pela vitória nas últimas duas horas de prova. Pilotando um 908/2 em dupla com Gerard Larrousse, Herrmann atrasou-se no começo da prova devido a problemas no câmbio. O Porsche recuperouterreno e, após o último abastecimento, Herrmann voltou à pista em segundo lugar, próximo do potente Ford GT 40 da dupla Jacky Ickx/Jackie Oliver. Duas voltas depois, uma luz vermelha acendeu-se no painel: as pastilhas de freio estavam no limite de desgaste. Para piorar as coisas, o motor havia perdido potência. Nada disso impediu Herrmann de lutar como um leão e trocar várias vezes de posição com Ickx na tentativa de dar à Porsche a primeira vitória na classificação geral da 24 Horas de Le Mans. Foi o final mais emocionante da história da prova − com Ickx/ Oliver recebendo a bandeirada em primeiro lugar, apenas 120 metros à frente de Herrmann/Larrousse.

Em 1970, seu último ano como piloto, conduzindo o Porsche 917K, para a vitória nas 24 Horas de Le Mans.

No começo de 1970, aos 42 anos, Herrmann havia decidido que aquela seria sua última temporada como piloto. Pouco antes da 24 Horas de Le Mans, prometeu à sua esposa, Madeleine, que se vencesse a prova encerraria sua carreira imediatamente. Antes da corrida, recebeu de seu filho um bilhete: “Dirija devagar, papai”. E Herrmann, pilotando um 917K em dupla com Richard Attwood, realmente venceu, dando à Porsche sua primeira vitóriaem Le Mans e compensando parcialmente a amarga derrota de 1969. O ator Steve McQueen estava em Le Mans em 1970 para rodar o filme que leva o nome da prova francesa. A promessa de Herrmann a Madeleine impressionou McQueen, que incluiu no roteiro uma variação da história para o personagem Johann Ritter (vivido pelo ator Fred Haltiner).
Desde 1970, Hans Herrmann pode ser encontrado na “Herrmann Autotechnik”, especializada em acessórios e peças de reposição para automóveis. Da carreira como piloto, ficou como imagem mais forte a do cartão postal que ele mandou fazer, com um desenho reproduzindo o instante da passagem pela linha de trem na Mille Miglia de 1954 e a inscrição “Você precisa ter sorte”. Nas conversas, o piloto alemão completava a sentença em tom sério: “Sorte, para um piloto, é sobreviver”.

Luiz Alberto Pandini

PS: Tivemos no post acima, uma revisão do nosso brother Roberto Zullino. Que enviou a imagem a cor, que valorizou mais e a correção no texto, sobre a dúvida do trajeto em que aconteceu a cena.
“O desenho da cancela do trem não foi na Sicília, a Mille Miglia jamais passou pela ilha. A MM era disputada sempre no mesmo trajeto, com exceção de 1940, saindo de Brescia indo para o Adriático na descida para Roma, daí subindo pelo outro lado passando pelas montanhas e retornado a Brescia, exatamente 1600 kms”.

Luiz Salomão

Blogueiro e arteiro multimídia por opção. Dublê de piloto do "Okrasa" Conexão direta com o esporte a motor!

7 comentários em “COLUNISTA – HANS HERRMANN, UMA LENDA

  • 23 de fevereiro de 2010 em 09:17
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    Favor corrigir o texto. O desenho da cancela do trem não foi na Sicília, a Mille Miglia jamais passou pela ilha. A MM era disputada sempre no mesmo trajeto, com exceção de 1940, saindo de Brescia indo para o Adriático na descida para Roma, daí subindo pelo outro lado passando pelas montanhas e retornado a Brescia, exatamente 1600 kms.
    No meu blog há o relato de Denis Jenkinson sobre a vitória dele e do Stirling Moss em 1955 com a Mercedes. Link direto para a história: http://rzullino.blogspot.com/search/label/Moss%20e%20Jenks

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  • 23 de fevereiro de 2010 em 09:50
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    Visite o Blog construindohistoriahoje.blogspot.com e fique por dentro do universo da História. Com vídeos, textos, fotos tudo produzido por uma equipe de historiadores e arqueologos.

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  • 24 de fevereiro de 2010 em 00:20
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    Hermann foi um piloto muito versatil, e um competidor fortissimo nos sport prototipos. Venceu em diversas categorias com estes carros. Seu feito maior foi realmente a vitoria em Le Mans de 1970, mas quem entrou para a memoria do automobilismo mesmo foi a sua fantastica disputa com Ickx em 1969, tal como relatada no exelente texto acima.

    Antonio

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  • 24 de fevereiro de 2010 em 10:30
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    Seabra, essa prova de 69, tenho em verso e prosa guardada em VHS original de época. Como já faz muito tempo, não sei onde está no momento, e creio que fiz uma cópia em DVD…

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  • 24 de fevereiro de 2010 em 22:33
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    Olá pessoal!
    Herbert Linge é uma figura importantíssima, e quase completamente desconhecida…
    Qualquer hora dessas termino uns rabiscos sobre ele e posto aqui…
    Abração a todos,
    Hugo

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  • 26 de fevereiro de 2010 em 00:41
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    Até que enfim o Hugo reapareceu aqui no boteco ! Salve !!!!
    Apesar dos recentes dificieis momentos, espero ver voce mais vezes por aqui.
    Abraço, amigo.

    Antonio

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