"UMAS & OUTRAS" #10…

A FANTÁSTICA FERRARI 512S – parte 2…
Joaquim Lopes Filho

A AMEAÇA VERMELHA

Logo na abertura da temporada ficou bastante claro para a Ferrari que não teria muita chance de vencer o campeonato Mundial de Marcas (ou Construtores) de 1970.
Algumas das razões é que ela não tinha nenhum carro realmente competitivo tanto no Grupo Seis (protótipos até 3 litros), onde competia contra a Porsche e seus 908/3, Alfa Romeo T/33 e Matra-Simca como no afamado Grupo Cinco, com os já competitivos 917 colhendo os frutos de seu prévio desenvolvimento.
A Ferrari 512S ainda era uma grande incógnita, pois ainda não havia sido seriamente testada em competições ou em um programa mais extensivo. Outro agravante era o fato de seu team de pilotos oficiais ser formado ainda por pilotos sem grande expressão e em início de carreira como, por exemplo, Ignazio Giunti e Arturo Merzario ou por Nino Vaccarella, este último já em claro final de carreira.
Também o grande envolvimento da Casa Ferrari com as corridas de Fórmula Um dispersava esforços e recursos financeiros e humanos em duas frentes de combate, enfraquecendo ambas ao mesmo tempo, ao contrário da arqui-rival alemã que concentrava todas suas forças nos sport-protótipos.
Esta era a situação e o desafio que a Ferrari estava disposta a enfrentar naquele início de 1970.
A temporada começa em janeiro com uma prova extra-oficial na Argentina, os Mil Quilômetros de Buenos Aires, mas a Ferrari se ausenta concentrando esforços para as 24 Horas de Daytona, ser disputada três semanas mais tarde, mesmo porque as 512S ainda não estavam devidamente homologadas.

DAYTONA, PRIMEIRO ROUND

As Ferrari 512S chegam a Daytona com o espectro da não-homologação ainda pendendo sobre suas cabeças, participando então sem direito a pontos no campeonato. Cinco 512S marcam presença, sendo três pelo time oficial (Andretti/Merzario, Vaccarella/Giunti e Ickx/Schetty); uma pelo importador NART (Dan Gurney/Chuck Parsons) e outra pela Pichio Rosso dos nossos conhecidos Corrado Manfredini e Giampiero Moretti.
Nos treinos um inspiradíssimo Andretti vira quase um segundo à frente do melhor Porsche 917K, conquistando a pole, com Ickx/Schetty vindo em quinto e Vaccarella/Giunti em oitavo. Os Porsches guardavam reserva para a longa maratona, enquanto os mecânicos da Ferrari varavam a noite tentando consertar um persistente problema de alimentação, às nove da noite os boxes da Porsche encontravam-se fechados e tanto mecânicos como pilotos dormindo no hotel.
Na corrida, a história foi outra. Os 100 kg adicionais das 512S frente aos leves Porsches 917 fizeram diferença no banking de Daytona, não conseguindo a Ferrari acompanhar o mesmo ritmo dos carros alemães, apesar da exuberante pilotagem de Andretti. Vence o Porsche 917K de Rodriguez/Kinnunen seguido pelo outro 917 de Siffert/Redman. A única 512S sobrevivente – todas as demais sucumbiram a problemas mecânicos ou acidentes – foi a de Andretti/Merzario em terceiro, seguido por duas 312P da NART.
Como saldo positivo, a Ferrari aprendera em 24 horas de corrida mais que nos meses anteriores…

SEBRING, FINAL DE CINEMA

Um mês e meio depois, em 21 de março, as Ferrari comparecem em Sebring, Flórida, após várias semanas de exaustivos testes e acertos de suspensão, câmbio e motor. Novamente Andretti crava a pole quase um segundo à frente dos Porsches 917, com Ickx-Schetty em quarto, Sam Posey/Ronnie Bucknum (512S NART) em quinto e a terceira oficial, a de Vaccarella/Giunti em sexto.
Imprimindo um ritmo infernal à corrida, Andretti leva os Porsches a sucessivas quebras e acidentes, ficando na liderança até a penúltima hora de corrida quando sua 512S sofre também uma pane mecânica; imediatamente Andretti é colocado na Ferrari de Vaccarella/Giunti, que vinha em quarto lugar.

Andretti/Merzario, líderes até quebrar a 512s #19

Quebras sucessivas e incidentes de corrida com os principais favoritos haviam levado o Porsche 908/2 do ator Steve McQueen e do milionário herdeiro do império de cosméticos Revlon, Peter Revson, à liderança da prova.
Pilotando como um alucinado e inteiramente no seu elemento, Andretti vai reduzindo pouco a pouco a diferença para o Porsche 908/2 até ultrapassá-lo na última volta e ainda livrar uma diferença de 22 segundos!

Giunti conduz a Ferrari vencedora, #21…

Cockpit da Ferrari 512S

A Ferrari vencia logo na sua segunda apresentação, o que animou sobremaneira os dirigentes da equipe de Maranello.

FERRARI NAUFRAGA NO DILÚVIO DE BRANDS HATCH

Na terceira etapa do campeonato, os 1000 Km BOAC em Brands Hatch, a Ferrari apresenta um novo motor de 580 Hp e Chris Amon substituindo Mario Andretti e Jackie Oliver no lugar de Peter Schetty nas duas 512S oficiais. Outras duas Ferraris participantes são a da Scuderia Filipinetti (Mike Parkes/Herbert Muller) e a da Gelo Racing (George Loos).
Disputado em tempo seco, os treinos classificatórios mostram as duas 512s oficiais nas duas primeiras posições – a terceira vez consecutiva – com a pole indo para Amon/Merzario e Ickx/Oliver no segundo posto, à frente do 917K da KG Salzburg e um surpreendente Matra MS 650 de Jack Brabham/Jean Pierre Beltoise.
A vantagem da pole foi rapidamente diluída na corrida onde chuvas torrenciais anularam a maior potência da 512S, com um pobre Chris Amon sofrendo para manter o carro na pista e combater um irresistível Pedro Rodriguez em dia inspirado. A melhor dupla, Amon/Merzario termina em quinto, dez voltas atrás de Rodriguez/Kinnunem, os vencedores.

O FRACASSO DE MONZA

No final de abril é disputado os Mil Km de Monza, casa da Ferrari e mais de 80.000 tifosi compareceram para dar apoio à equipe italiana.
Aqui, um pequeno parêntese: nunca, antes de 1970, o automobilismo de competição – mais precisamente os sport-protótipos – havia conseguido tanta penetração junto ao grande público. Revistas especializadas, rádio e televisão dedicavam grande espaço às corridas e suas coberturas foram extensivamente ampliadas. Número recorde de pagantes compareciam às corridas (para alegria e gáudio dos promotores…) influenciados pelos duelos incentivados pela mídia. Pilotos de ponta atingiam o status de pop-stars, carros e equipes eram elevadas à categoria de ícones, as brigas polarizadas entre Ferrari e Porsche, mas com Matra e Alfa Romeo demonstrando brilho próprio.
A Ferrari se apresenta frente ao seu público com duas sérias baixas: Mario Andretti não correria, preso aos seus compromissos nos EUA e Jackie Ickx se recuperava de seu acidente no GP da Espanha de F-Um. O neozelandês Chris Amon, a exemplo de Brands Hatch, substituiria Andretti e John Surtees foi chamado para o lugar de Ickx.
Marcam presença três 512S oficiais (Amon/Merzario, Surtees/Schetty e Giunti/Vaccarella) e duas particulares, a do Team Filipinetti com Mike Parkes/Herbert Muller e os manjadíssimos Corrado Manfredini/Giampiero Moretti da Pichio Rosso.
A Porsche contra-ataca com seu novíssimo motor de 5 litros e 580 HP para Siffert/Redman, que marcam a pole position, mas largam com o motor convencional de 4,5 litros devido a vazamento de óleo no motor principal.
A corrida é dominada pelas Ferrari 512S oficiais até o seu meio, quando Ignazio Giunti fazia valer uma vantagem de 15 segundos para o Porsche 917 de Rodriguez/Kinnunen. Parecia uma vitória certa para a Ferrari em frente ao seu público, até o reabastecimento de Giunti quando ele encontra nada mais que duas 512S no pit-stop, fazendo-o perder toda a vantagem conseguida na pista e a liderança para Rodriguez.
Na confusão instaurada, Vaccarella assume seu posto ao invés do mais veloz Chris Amon e perde cerca de meio segundo por volta. No segundo pit stop, finalmente Amon passa a dividir o volante com Giunti e Vaccarella, mas com uma diferença de um minuto para o Porsche.
Mesmo pilotando furiosamente, Amon não consegue descontar a diferença, chegando em segundo lugar, à frente de Surtees/Schetty, e de seu próprio carro em dupla com Arturo Merzario.

Desorganização nos boxes da Ferrari levou à derrota em Monza…

…esforço inútil de Chris Amon, a #3 terminou em segundo

A desorganização da Ferrari e a inexperiência de Mauro Forghieri tomaram uma vitória mais que certa em Monza. Os tifosi não esqueceriam facilmente…

FRUSTAÇÃO NA TARGA FLORIO

A exemplo de Monza, um público calculado em torno de 400.000 pessoas compareceu nas colinas da Sicília para prestigiar os carros da Ferrari. Muito a contragosto Enzo Ferrari, ciente que seus carros não teriam a menor chance no sinuoso circuito siciliano, cedeu uma 512S oficial para o herói local Nino Vaccarella e Ignazio Giunti.
A Porsche apareceu com seus novíssimos e imbatíveis modelos 908/3K para John Wyer e KG Salzburg. Apesar de todo o esforço da dupla, a pesada 512S não foi páreo para os ágeis e leves 908/3, terminando Vaccarella e Giunti num honroso, mas decepcionante terceiro lugar.
O melhor é esquecer a Targa Florio e se preparar para Spa-Francorchamps, a sexta etapa do campeonato, que vai ficar para a próxima coluna…

Joaquim ou Joca ou “Anexo J”, do boteco…
“Ex-administrador de empresas, já foi um pouco de tudo na vida: bancário, vendedor, publicitário, jornalista, relações públicas, motorista de carreta, garçom, cortador de grama, pintor de paredes, técnico em manutenção de aviões. Já andou por garimpos e extraiu madeira na Amazônia, perambulou por Colômbia, Venezuela, Caribe, México, Estados Unidos, Canadá e Cuba em diversas atividades inconfessáveis. Hoje, aposentado, ocupa-se em alugar a paciência alheia escrevendo sobre automobilismo em blogs e sites especializados de amigos.”.
Fotos (reprodução)

Luiz Salomão

Blogueiro e arteiro multimídia por opção. Dublê de piloto do "Okrasa" Conexão direta com o esporte a motor!

14 comentários em “"UMAS & OUTRAS" #10…

  • 28 de abril de 2008 em 21:42
    Permalink

    Mestre Joaquim e suas sagas, mas parece que há uma certa má vontade com as Ferraris ou estou enganado?
    De qualquer maneira mais um belo trabalho de reconstituição histórica.Continuo aguardando ansioso os GT-40, Lolas T-70, Matras, etc.

    Resposta
  • 28 de abril de 2008 em 21:42
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    Mestre Joaquim e suas sagas, mas parece que há uma certa má vontade com as Ferraris ou estou enganado?
    De qualquer maneira mais um belo trabalho de reconstituição histórica.Continuo aguardando ansioso os GT-40, Lolas T-70, Matras, etc.

    Resposta
  • 29 de abril de 2008 em 07:14
    Permalink

    Joaquim,
    Eu particularmente gosto mais do 917, mas esta ferrari do Andretti/Merzario é muito bonita. Repare a largura do pneu traseiro e ela é mais embicada.
    Joaquim, já tenho aquele material. Mando para você?
    Jovino

    Resposta
  • 29 de abril de 2008 em 07:14
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    Joaquim,
    Eu particularmente gosto mais do 917, mas esta ferrari do Andretti/Merzario é muito bonita. Repare a largura do pneu traseiro e ela é mais embicada.
    Joaquim, já tenho aquele material. Mando para você?
    Jovino

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  • 29 de abril de 2008 em 14:21
    Permalink

    Respondendo à tchurma….

    Gilberto, meu caro, não há nenhuma má vontade de minha parte com relação às Ferrari, embora não seja admirador da marca. Se caso passou isto no texto, garanto que não foi intencional. Grato pelo comentário.

    Jovino, pode mandar o material para o meu e-mail, terei o maior prazer em recebê-lo.

    Abs. a todos.

    Resposta
  • 29 de abril de 2008 em 14:21
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    Respondendo à tchurma….

    Gilberto, meu caro, não há nenhuma má vontade de minha parte com relação às Ferrari, embora não seja admirador da marca. Se caso passou isto no texto, garanto que não foi intencional. Grato pelo comentário.

    Jovino, pode mandar o material para o meu e-mail, terei o maior prazer em recebê-lo.

    Abs. a todos.

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  • 30 de abril de 2008 em 09:53
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    Joca ,está simplesmente fantastico acompanhar toda esta serie ,tô imprimindo tudo ,é o tipo de coisa que de vez em quando dá vontade de reler.

    As 512 em geral não foram o ponto alto na historia da Ferrari ,talvez como você mesmo disse o programa de F1 era muito importante naquele periodo ,havia uma batalha de gigantes no ar ,Ford X Fiat ,e o novo motor boxer de 12 cilindros era o foco do momento.

    Bem ,agora voltando a coluna ,que venha Spa!

    Resposta
  • 30 de abril de 2008 em 09:53
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    Joca ,está simplesmente fantastico acompanhar toda esta serie ,tô imprimindo tudo ,é o tipo de coisa que de vez em quando dá vontade de reler.

    As 512 em geral não foram o ponto alto na historia da Ferrari ,talvez como você mesmo disse o programa de F1 era muito importante naquele periodo ,havia uma batalha de gigantes no ar ,Ford X Fiat ,e o novo motor boxer de 12 cilindros era o foco do momento.

    Bem ,agora voltando a coluna ,que venha Spa!

    Resposta
  • 30 de abril de 2008 em 10:58
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    Bom….sem mais comentários…adoro os textos, a época, o espírito romantico que impregna os relatos….esperando mais. Parabéns!

    Resposta
  • 30 de abril de 2008 em 10:58
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    Bom….sem mais comentários…adoro os textos, a época, o espírito romantico que impregna os relatos….esperando mais. Parabéns!

    Resposta
  • 2 de maio de 2008 em 20:22
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    É, mestre Joa, cada vez melhor… até mesmo para falar imparcialmente de carros que não lhe fazem o gosto… aliás, pelo visto, essas 512 eram belos leões de treino, faltava fôlego na corrida, quando não inteligência na cabeça dos estrategistas de prova, como no caso do pit em Monza…

    No aguardo dos próximos capítulos…

    Resposta
  • 2 de maio de 2008 em 20:22
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    É, mestre Joa, cada vez melhor… até mesmo para falar imparcialmente de carros que não lhe fazem o gosto… aliás, pelo visto, essas 512 eram belos leões de treino, faltava fôlego na corrida, quando não inteligência na cabeça dos estrategistas de prova, como no caso do pit em Monza…

    No aguardo dos próximos capítulos…

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