LE MANS #11

“24 Heures du Mans”, a maior corrida do mundo, segundo os autoentusiastas de plantão!
Le Mans.

Há histórias assim, de pequenas cidades cujos valores históricos, patrimoniais, arquitetónicos e paisagísticos talvez nunca fossem suficientes para torná-las facilmente reconhecidas pelo mais comum dos mortais, mas por um feliz acaso, nascido da imaginação inventiva, da arte, do engenho e da determinação de algum ou alguns dos seus filhos se tornam lugares místicos, alvo de romarias festivas.
Situada num maciço rochoso na confluência dos rios Sarthe e Huisne, e com origens que remontam à pré-história, Le Mans (a que os celtas atribuiram a designação de Ouidinom ou Suindinom, “a colina branca fortificada”), capital do departamento de Sarthe, Região Administrativa de Pays de la Loire, não passa efectivamente de uma pequena cidade de 146.105 habitantes, de acordo com o censo francês de 1999.

O início do 1º Grande Prémio de França. Imagem: Arquivos ACO

No entanto, tendo sido o palco do 1º Grande Prémio de França, disputado no século XX, em 1906, Le Mans entraria na restrita galeria de lugares místico com o lançamento desse desafio de fazer disputar uma corrida de automóveis durante 24 horas consecutivas.
Mas a história começa um pouco antes, ainda no último quarte do século XIX, com a paixão automobilística da família Boillée a dar origem à Union Auto Cycliste de la Sarthe, embrião daquele que viria a ser registado oficialmente na prefeitura de Sarthe, em 5 de Fevereiro de 1906, com o nome de Automobile Club de la Sarthe, atualmente conhecido como Automobile Club de l’Ouest (ACO), que hoje em dia gerencia não só os destinos da prova como do próprio campeonato que lhe herda o nome, Le Mans Series – que nascerá, em 1920, a ideia de realizar “uma competição cujo carácter contribuísse para a evolução do progresso técnico e favorecesse o desenvolvimento do automóvel”. Dois anos passados, em 1922, Georges Durand, presidente do ACO, Charles Faroux, jornalista da revista La Vie Automobile, e Émile Coquille, diretor da Rudge-Whithworth, anunciam oficialmente a criação de uma corrida de resistência disputadas por equipes de 2 pilotos que se deveriam alternar no mesmo carro durante 24 horas consecutivas. Finalmente, no dia 26 de Maio de 1923, saem para o circuito desenhado nas estradas nacionais e locais dos arredores da cidade as primeiras 33 equipes concorrentes, compostas por um total de 66 pilotos (dos quais 59 franceses, 4 belgas, 2 ingleses e 1 suíço), à disputa do primeiro troféu daquela que é hoje a mais antiga e prestigiada corrida de resistência para carros esportivos e protótipos de todo o mundo. E nem a chuva intensa sob a qual se desenrolaria esta primeira corrida e a lama abundante foram suficientes para afastar novos candidatos no ano seguinte, cuja lista aumentaria para 39.

A largada dos primeiros heróis partindo à conquista da glória!

O atual circuito, com uma extensão total de 13,650 Km, e com o circuito Bugatti (circuito permanente construído em 1965 e que foi palco, em 1967, do GP de França de F1) compreendido entre a curva Dunlop e o ínicio dos Esses e corresponde à 13ª versão do original ao longo das estradas dos arredores a Sul da cidade, o qual possuía 17,262 Km e privilegiava essencialmente a velocidade.
Tertre Rouge, Mulsanne, Arnage ou Maison Blanche são nomes que lembramos facilmente, no entanto, segundo os estudiosos do circuito, a célebre reta das Hunaudières, que na verdade não é uma, mas três retas, que se desenvolvem ao longo de 5 quilómetros da estrada estadual D338, a velha Route de Tours, entre Tertre Rouge e Mulsanne, intercaladas por duas curvas que se fazem a fundo, e onde, em 1988, Roger DORCHY (F), ao volante de um WM Peugeot P88, atingiu a impressionante velocidade máxima de 405 Km/h (!), já à chegada a Mulsanne. As várias alterações que o circuito foi sofrendo ao longo dos anos, aliás,tiveram como propósito reduzir as velocidades máximas e aumentar os níveis de segurança, levando mesmo, em 1990, e na sequência do ‘episódio’ WM P88, à introdução de duas chicanes nas Hunaudières, que viu assim perdida grande parte do seu desafio, em favor das necessárias exigências de segurança.
Uma das características mais marcantes da prova foi, sem sombra de dúvida, o famoso procedimento de largada, que ficaria conhecido por “partida tipo Le Mans”, em que os pilotos se alinhavam, na reta dos boxes, ao longo do muro oposto e, ao sinal de partida, atravessavam a pista, e o mais rapidamente possível para os ‘cockpits’ dos carros, alinhados em 45 graus junto ao muro das boxes e vrummmmmmmm… Adaptado pela primeira vez em 1925 (já que em 1923 e 24 a largada se fazia ‘em linha’), o procedimento seria abandonado após a prova de 1969, que ficaria marcada não só pela forma de protesto do belga Jacky ICKX, atravessando a pista em passo lento para entrar calmamente no ‘cockpit’ e apertar os cintos convenientemente, mas (qual ironia do destino) também pela morte do inglês John WOLFE, triste desfecho, presumivelmente consequência do deficiente aperto dos cintos durante a largada ‘apressada’. No ano seguinte, o procedimento de largada (precisament o que pode ser observado no filme “Le Mans”) seria ainda 45 graus, com o larga fazendo-se já com os pilotos convenientemente instalados no interior dos carros, mas em 1971 já seria adaptado o procedimento de partida lançada, que se mantém até aos dias de hoje.

O Porsche 917K de Helmutt Marko e Gijs Van Lennep

Sendo esta uma corrida de resistência, o vencedor será sempre aquele que maior distância percorrer ao longo das 24 horas que constituem a prova. A maior distância absoluta percorrida durante as 24 horas de prova foi registada em 1971, com Helmutt MARKO (A) e Gijs VAN LENNEP (NL), partilhando o volante de um Porsche 917, a cumprirem 5.335,313 Km à média de 222,304 Km/h. Para cumprir a mesma distância, André LAGACHE (F) e René LEONARD (F), ao volante do CHENARD & WALKER “Sport” com que venceram a primeira edição da prova, em 1923, precisariam de mais…36 horas (!).
Talvez não fossem muito longe desse tempo, é certo, mas no entanto, e curiosamente, é a primeira edição aquela que regista a melhor percentagem de equipes que terminaram a corrida: 90,9%, correspondendo a 30 classificados à chegada dos 33 que iniciaram a corrida. Essa edição é também, a que registou o maior número absoluto de classificados na chegada, em contraste com a edição de 1931, em que apenas 6 carros terminaram a corrida. No lado oposto, a prova de 1971 regista a menor percentagem de classificados à chegada: 13,7 % (ou seja, apenas 7 dos 51 que iniciaram a prova).
Por outro lado, os anos de 1950, 51, 53 e 55 foram os que registaram o maior número de participantes – nada mais nada menos que 60 – enquanto em 1930 apenas 17 equipes se apresentaram para partida.
Constituindo um imenso desafio aos construtores e preparadores,sempre a prova atraiu grandes marcas, que inscreveram o seu nome na galeria dos vencedores e poderem ostentar a glória suprema de vencer a maior prova de resistência do mundo, sinal da qualidade da sua capacidade industrial. Nesse aspecto, a Alemanha leva vantagem registando o maior número de vitórias, 24, distribuídas pelas suas 4 grandes marcas automóveis: PORSCHE, que é também a marca com mais vitórias (16), MERCEDES, BMW e AUDI. A França, no entanto já viu 9 marcas nacionais vencerem a prova, com destaque para a RONDEAU, vencedora em 1980 naquela que é a única vitória de um piloto-construtor, ainda para mais sendo Jean RONDEAU um verdadeiro ‘filho da terra’. Já para os pilotos, a Inglaterra tem o maior número de vitoriosos: nada mais nada menos que 32 pilotos consagrados.

O cartaz original do filme “Le Mans”, de Lee H.Katzin

As 24 Horas de Le Mans, como não podia deixar de ser, e injusto seria se não o fosse, também foram alvo de cenários e filmes referentes ao tema. Concretização de um velho sonho do ator norte-americano Steve McQueen, verdadeiro entusiasta das corridas de automóveis, a edição de 1970 serviria de palco à realização, assinada por Lee H. Katzin, do filme “Le Mans”, no qual o próprio ator e promotor do filme encarna a sua personagem principal, Michael Delaney. Apesar de anunciada, a participação efetiva de McQueen na corrida, pilotando um Porsche 917 com (nada mais, nada menos que…) Jackie STEWART (que aniversaria esta semana de Le Mans), acabaria impedida pelas suas seguradoras, pouco dispostas a aceitar os riscos inerentes. Certo é as imagens reais da corrida seriam registadas pelas câmaras instaladas num Porsche 908/2 inscrito pela Solar Productions, produtora de McQueen, e conduzido pelo alemão Herbert LINGE e pelo inglês Jonatham WILLIAMS, que completaria 282 voltas do circuito. Com esse mesmo carro, McQueen, fazendo dupla com o seu compatriota Peter Revson, havia alcançado uns meses antes (em 21 de Março de 1970) um impressionante 2º lugar (a apenas 22s do Ferrari 512S de Ignazio Giunti, Nino Vaccarella e Mário Andretti) nas 12 Horas de Sebring. Contrariamente a McQueen, que acabaria por nunca correr em Le Mans, o seu compatriota e contemporâneo colega ator Paul NEWMAN pode orgulhar-se de na sua única experiência nas ‘24 Heures’, em 1979, ter obtido um brilhante 2º lugar ao volante do Porsche 935/77A de Dirk BARBOUR (USA), com quem dividiu o volante, embora se diga que tal feito se deva sobretudo ao desempenho do alemão ROLF STOMMELEN, o terceiro (ou primeiro, será melhor dizê-lo) piloto da equipe.
Também o filme “Michel Vaillant”, sobre o célebre piloto, saído da imaginação e da pena do francês Jean Graton (que esse humilde blogueiro, tem uma exemplar em portugues, muito bem guardada), utiliza imagens reais das 24 Horas de Le Mans, concretamente da prova de 2002. Como sempre, os ‘bonzinhos’ Vaillant levam a melhor sobre os ‘mauzões’ Leader e tudo fica bem quando acaba bem… até à próxima corrida!

Cartaz da primeira edição das 24 Horas de Le Mans com a designação de “Grand Prix d’Endurance de 24 Heures”

Só uma onda de greves afetou significativamente a indústria automobilística francesa em 1936 e a 2ª Grande Guerra, entre 1940 e 1948, impediram a realização da corrida. Após a primeira edição disputada em Maio, a corrida foi transferida para o mês de Junho, com exceção dos anos de 1956 (28/29 de Julho, por causa dos trabalhos subsequentes à tragédia de 1955), 1968 (devido aos célebres acontecimentos de Maio desse ano) e em 1986.
Já agora, saibam também que Le Mans tem atualmente outro filho pródigo do mais alto nível no continente americano: Sebastien BOURDAIS, nascido naquela cidade a 28 de Fevereiro de 1979, e já com 5 partipações nas “24 Horas”, desde 1999, seguindo as pisadas do pai, Patrick BOURDAIS, que conta já nove participações em Le Mans desde 1993.
Anexos
Visão do circuito, sendo perceptíveis as alterações correspondentes às suas várias versões e espectaculares imagens iniciais do filme “Le Mans”, com a largada, e os Porsche da Gulf e da casa de Stuttgart rasgando pelas retas:

Uma volta ao circuito com…Mike HAWTHORN (GB), Jaguar D-Type, em 1956

Peter SAVAGE (GB), Ford GT 40, em 1967

Jurgen BARTH (D), Porsche 936, em 1977

Derek BELL (GB), Porsche 956, em 1983

Christophe BOUCHUT (F), Mercedes CLR, em 1999

Colin McRAE (GB), Ferrari 550 Maranello, em 2004

Allan McNISH (GB), Audi R10, em 2006

Chevrolet Corvette C6.R, em 2007

O acidente com o Mercedes CLR, em 1999

Fontes:www.ville-lemans.fr,www.lemans.org,www.planetlemans.com
www.mulsannescorner.com,es24hdumans.free.fr,www.caradisiac.com,www.mcestoril.pt,en.wikipedia.org
www.sarthe.com
Nota do blog: artigo publicado originalmente no Fórum Autosport em 26/05/2007 e update em 19/11/2008
(reprodução/www.lemansportugal.com)
Saloma

Luiz Salomão

Blogueiro e arteiro multimídia por opção. Dublê de piloto do "Okrasa" Conexão direta com o esporte a motor!

8 comentários em “LE MANS #11

  • 11 de junho de 2009 em 21:12
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    Sensacional o post e os filmes. Parabéns Saloma!

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  • 11 de junho de 2009 em 21:12
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    Sensacional o post e os filmes. Parabéns Saloma!

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  • 9 de julho de 2010 em 19:32
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    Caro , sempre que tenho tempo visito seu, blog e fico lendo com atenção sue relatos, sobre o automobilismo nacional dos anos 70 e o meu favorito campeonato de mundial de marcas .Na minha opnião foi uma crueldade fazer o que fizeram com ele na minha opinião somente para não oferecer uma ameaça a F1, pois no inicio dos anos 70 ele era tão popular quanto. Meus parabens pelo blog

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  • 9 de julho de 2010 em 19:32
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    Caro , sempre que tenho tempo visito seu, blog e fico lendo com atenção sue relatos, sobre o automobilismo nacional dos anos 70 e o meu favorito campeonato de mundial de marcas .Na minha opnião foi uma crueldade fazer o que fizeram com ele na minha opinião somente para não oferecer uma ameaça a F1, pois no inicio dos anos 70 ele era tão popular quanto. Meus parabens pelo blog

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  • 9 de julho de 2010 em 21:55
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    Valeu Claudio…apareça sempre no boteco do Saloma! abs

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  • 9 de julho de 2010 em 21:55
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    Valeu Claudio…apareça sempre no boteco do Saloma! abs

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