"UMAS & OUTRAS" #25…

A SAGA DA LOLA T-70(cont.)
Joaquim Lopes Filho

A Lola MK3 GT

Em 1967 o combate entre Ford e Ferrari pela hegemonia no campo dos sport-protótipos havia chegado ao auge. O gigante americano pusera em movimento um poderoso rolo compressor de técnicos, engenheiros, administradores, advogados (nada tão americano quanto um advogado!), relações públicas e publicitários em volta do objetivo maior de vencer em Le Mans, o que fora conseguido no ano anterior com o Ford Mark IIA de Chris Amon e Bruce Mclaren.

O jogo europeu…

A luta entre a fábrica ianque e o defensor italiano atraíra a atenção de um público ainda alheio às competições automobilísticas e entre 1963 e 1967, verifica-se um interesse incomum com a proliferação de revistas especializadas, coberturas de jornais diários, interesse por transmissões via Tv e coberturas de cine jornais e documentários.
Nunca se vira nada igual e a afluência de público quebra recordes em pistas tradicionais como Sebring, Daytona, Brands Hatch, Monza, Spa, Nurburgring e Le Mans, naturalmente.
A polarização da principal disputa entre Ford e Ferrari deixa em plano secundário os esforços de Porsche e Alfa Romeo, esta última tentando se afirmar com a estreante Alfa P33 Periscopa.
No mundo dos sport protótipos o jogo é feito agora à feição dos americanos, motores V-8 big block quase de série com altas cilindradas e baixa rotação, em contraposição à escola européia mais afeita à baixa cilindrada e alta potência específica (HP por litro).

…E o jogo americano

Do outro lado do Atlântico, as corridas dos big bangers Grupo 7 caem em definitivo no gosto do público norte americano, com a série Can Am em sua segunda edição, pagando estonteantes prêmios acumulados de até 170.000 dólares, um valor impensável na época!
Ali, longe do foco de atenção europeu do Mundial de Sport-Protótipos, as atenções se dividem entre os pequenos, mas tradicionais fabricantes de chassis como Chaparral, a nascente McLaren, o belo mas ineficiente Holman&Moody Honker II e o já consagrado Lola T-70 MK2.

Can Am, império dos big bangers de 7 litros

A campanha vitoriosa de John Surtees ao volante do Mk2 no ano anterior e seu conseqüente desenvolvimento rapidamente levaram o Lola/Chevy a ser o equipamento de escolha de muito pilotos privados que aspiravam a alguma coisa na cobiçada Can Am.

O Lola T-70 MK3 Aston Martin Coupé

O sucesso obtido pelo pacote MK2/Chevrolet na Can Am animou Eric Broadley a homologar uma nova versão coupé como Grupo 4, o qual requeria pelo regulamento carroceria fechada e uma produção mínima de 50 unidades.
Como novidade, o carro apresentava um novo motor Aston Martin V-8 de 5 litros, duplo comando e meros 380 HP; a joint venture com a Lola era uma tentativa da fábrica inglesa de, como sempre, vencer em Le Mans.
O novo Lola T-70 MK3 Coupé, a rigor, nada mais era do que uma evolução do chassi MK2 da Can Am, bem desenvolvido pelo trabalho de John Surtees desde 1965.
Tecnicamente não havia nada de revolucionário, além do extenso uso de alumínio reforçado por partes em aço no chassi, suspensões convencionais de duplos triângulos, molas espirais e amortecedores reguláveis. Uma novidade era a colocação dos discos de freio dianteiros, um pouco afastados do centro das rodas a fim de melhorar a ventilação.
Surpresa mesmo eram as estupendas linhas da Lola Cupê.

O Lola MK3 GT Coupé Aston Martin, 1967

Com a assistência de Tony Southgate e o auxílio de um túnel de vento, Eric Broadley criou uma carroceria extremamente eficiente. A forma arredondada da frente terminando numa traseira alta e abrupta criava na verdade uma considerável downforce na dianteira, diminuindo arrasto e sustentação, o que permitia uma condução muito estável da Lola T-70, mesmo em altas velocidades, aliado aos novos enormes pneus Dunlop.
O carro, apresentando em janeiro de 1967 no London Racing Car Show, causou furor entre aficionados e imprensa especializada que tiveram que esperar até os treinos de Abril em Le Mans onde, sob a condução de John Surtees e portando uns enormes spoilers sobre os pára lamas traseiros – o que lhe rendeu o jocoso apelido de “carro de padeiro” -, marcou o terceiro tempo atrás somente das estonteantes Ferrari P4 V-12 de 4.4 litros de Lorenzo Bandini e Mike Parkes e à frente dos monstruosos Ford MK2 V8 de 7 litros pilotados por Mark Donohue e Bruce McLaren.

Lola nos ensaios de Le Mans, 1967, com John Surtees

Surpreendentemente, com a pista molhada John Surtees é seis segundos mais rápido do que qualquer outro carro, atestando a excelente estabilidade e maneabilidade do Lola T-70.
A primeira aparição oficial do MK3 se dá nos Mil Km de Spa-Francorchamps com a dupla Paul Hawkins/Jackie Epstein, mas com motorização Chevrolet 5.9 litros. O carro marca o quinto tempo e termina em quarto lugar, deixando uma boa impressão e demonstrando imenso potencial.

Spa, 1967, Paul Hawkins (Lola -Chevy) lidera a Scarfiotti (Ferrari 330P4)

A segunda apresentação do carro – e a primeira com o V-8 Aston Martin – foi nos 1000 Km de Nurburgring com John Surtees/David Hobbs, onde cravou a segunda posição nos treinos, só perdendo para o Chaparral 2F de Phil Hill e Mike Spence. Na corrida, apesar de um bom desempenho inicial, o Lola T-70 abandona com a quebra da suspensão traseira.
A vitória surpreendente foi da Porsche que ocupou os quatro primeiros lugares com seus 910 de 6 cilindros. A vitória ficou com a dupla Udo Schtuz e o americano Joe Buzzetta (não riam, é o nome do homem mesmo…!)

Bom desempenho em Nurburgring na vitória de Buzzetta (Porsche)

Veio Le Mans e sem maiores problemas de chassi ou suspensão a T-70 demonstrou seu maior handicap. Frente a um batalhão de potentes Ford MKIV, MKII, Ferrari 330 P3/P4, Mirage Ford e Chaparral, o fraquíssimo motor V-8 Aston Martin não disse ao que veio, com a dupla Surtees/David Hobbs logrando somente uma discreta 12ª. colocação no grid de largada. Outra Lola Aston Martin inscrita para o inglês Chris Irwin e o neozelandês Peter de Klerk conseguiu somente o 24º. tempo.
Na corrida Surtees não passa da terceira volta com um pistão quebrado e Irwin vai até a 17ª. volta quando abandona com o bloco do motor rachado.

Lola Aston Martin fracassa em Le Mans

A aventura da Lola T-70 Aston Martin em Le Mans não passara de um retumbante fracasso, o que força Eric Broadley a retomar a velha receita com o motor Chevy-V-8 variando de 5 a 6 litros.

A bomba atômica da FIA

Imediatamente após a realização das 24 Horas de Le Mans os mui dignos delegados da Comission Sportive International – CSI, então o órgão máximo desportivo da FIA, reúnem-se na sede do Automobile Club D´Ouest para decidir em portas fechadas aquilo que seria o início do fim das corridas de longa duração: o banimento dos big bangers das pistas européias, limitando o Grupo 6 (protótipos) a 3 litros e, numa jogada para tentar manter o interesse da Ford (qualquer dia conto essa história direito…) mantém o Grupo 4 (sportcars) restritos a no máximo 5 litros, regulamento que entraria em vigor a partir de janeiro de 1968.
Foi uma ducha de água fria nos planos da Lola Cars, pois esta voltava a apostar nos motores Chevy V-8 que variavam de 5,2 a 5.9 litros, em busca de maior confiabilidade em vista do fracasso do projeto Aston Martin.
Mesmo assim três unidades do T-70 Chevy aparecem na BOAC 500, em Brands Hatch, oitavo round do Mundial de Construtores.
Ali, sob os comandos de Dennis Hulme/Jack Brabham e John Surtees/David Hobbs assinalam surpreendentemente os dois primeiros tempos, respectivamente.

BOAC 500, Brands Hatch,1967: duas Lolas T-70 na primeira fila

Na corrida, Surtees lidera as voltas iniciais até começar uma série de paradas devido a falhas de carburação, até abandonar definitivamente por quebra de um pistão; a responsabilidade passa para o carro de Hulme/Brabham que luta bravamente contra Ferraris, GT-40 e Chaparral até abandonar também por quebra da embreagem.
O Campeonato Mundial de Construtores chega oficialmente ao fim com o título indo para a Ferrari, mas a estratégia da Lola Cars volta-se para as provas de longa duração extra-campeonato mas ainda de grande prestígio como as 12 Horas de Reims (vencida pelo GT-40 7 litros da Ford France com Jo Schlesser/Guy Ligier), 12 Horas de Surfer´s Paradise (Ferrari 275 LM de Greg Cusack/Bill Brown) e os Mil km de Paris-Montléry, vencida pelo Mirage Ford de Jacky Ickx/Paul Hawkins.
A Lola T-70 MK3 GT começava a sofrer sua sina de carro rápido nas classificações e nas primeiras voltas, mas falhando inevitavelmente nas provas de média e longa duração.
Algo deveria ser feito rapidamente na próxima temporada, mas isto fica para a próxima coluna…

Joaquim, Joca, ou “Anexo J” do Boteco do Saloma
Ex-comissário desportivo da FIA, foi fundador, presidente e diretor técnico de kart clube, rali, arrancada e dirigente de federação de automobilismo.
Titular da coluna “Umas&Outras”, escreve regularmente neste espaço às segundas feiras.
(reprodução)

Luiz Salomão

Blogueiro e arteiro multimídia por opção. Dublê de piloto do "Okrasa" Conexão direta com o esporte a motor!

14 comentários em “"UMAS & OUTRAS" #25…

  • 11 de agosto de 2008 em 13:13
    Permalink

    Joaquim,
    Simplesmente impecável. Parabéns.

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 13:13
    Permalink

    Joaquim,
    Simplesmente impecável. Parabéns.

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 13:54
    Permalink

    Joaquim,
    Desculpe a ignorância, mas o que seria a Lola MK3 GT Coupé Aston Martin, 1967?
    Mais uma vez, uma aula.
    Jovino

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 13:54
    Permalink

    Joaquim,
    Desculpe a ignorância, mas o que seria a Lola MK3 GT Coupé Aston Martin, 1967?
    Mais uma vez, uma aula.
    Jovino

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 15:31
    Permalink

    Joaquim,

    A Lola tem história e a T70 tem mais ainda, valeu o os textos são irretocáveis.
    Aguardemos a próxiam 2ª feira.

    Abraço,

    Barba.

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 15:31
    Permalink

    Joaquim,

    A Lola tem história e a T70 tem mais ainda, valeu o os textos são irretocáveis.
    Aguardemos a próxiam 2ª feira.

    Abraço,

    Barba.

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 16:30
    Permalink

    Olá Pessoal, obrigado pelos comentários.

    Jovino, vamos lá: talvez não tenha ficado claro no texto mas a primeira T-70 foi lançada em 1965; era um spyder dois lugares e corria com um motor Ford 4.2 litros. Daí derivou o modelo MK2 Can Am com kotor Chevy V-8. A terceira versão, daí o MK3, foi esta Lola fechada (ou berlineta como querem alguns)que lançada inicialmente com motor Aston Martin V-8 em 1967.
    O resto acho que o texto é explicativo.

    Grande abraço,

    Resposta
  • 11 de agosto de 2008 em 16:30
    Permalink

    Olá Pessoal, obrigado pelos comentários.

    Jovino, vamos lá: talvez não tenha ficado claro no texto mas a primeira T-70 foi lançada em 1965; era um spyder dois lugares e corria com um motor Ford 4.2 litros. Daí derivou o modelo MK2 Can Am com kotor Chevy V-8. A terceira versão, daí o MK3, foi esta Lola fechada (ou berlineta como querem alguns)que lançada inicialmente com motor Aston Martin V-8 em 1967.
    O resto acho que o texto é explicativo.

    Grande abraço,

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 13:29
    Permalink

    Com toda a certeza, os detalhes são das informações trocadas nos bastidores da Câmara dos Lordes, entre Sir John Surtees e Sir Joaquim-Holmes.
    Dá-lhe Joaquim !

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 13:29
    Permalink

    Com toda a certeza, os detalhes são das informações trocadas nos bastidores da Câmara dos Lordes, entre Sir John Surtees e Sir Joaquim-Holmes.
    Dá-lhe Joaquim !

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 14:34
    Permalink

    Mestre Joca,

    Na foto sobre os carros da Can Am, estou enganado ou o último da fila é um Ford P68 Spyder? Estranho porque não conhecia este carro na versão sem capota.
    Aguardo retorno.

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 14:34
    Permalink

    Mestre Joca,

    Na foto sobre os carros da Can Am, estou enganado ou o último da fila é um Ford P68 Spyder? Estranho porque não conhecia este carro na versão sem capota.
    Aguardo retorno.

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 17:46
    Permalink

    Mais uma belíssima aula do Mestre Joaquim (o duro é que para a próxima segunda ainda tem chão). Gilberto pedindo licença ao Joca, o carro roxo é o Ford Honker do qual o Mestre discorre no texto. A semelhança com o P-68 ou F3L é total já que ambos foram projetados por Len Bailey (o mesmo do GT 40) que deu uma “requentada” no projeto Honker, que segundo Mario Andretti, foi o pior carro que ele já guiou.

    Resposta
  • 12 de agosto de 2008 em 17:46
    Permalink

    Mais uma belíssima aula do Mestre Joaquim (o duro é que para a próxima segunda ainda tem chão). Gilberto pedindo licença ao Joca, o carro roxo é o Ford Honker do qual o Mestre discorre no texto. A semelhança com o P-68 ou F3L é total já que ambos foram projetados por Len Bailey (o mesmo do GT 40) que deu uma “requentada” no projeto Honker, que segundo Mario Andretti, foi o pior carro que ele já guiou.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Verified by MonsterInsights