BRESCIA, 1955, Mille Miglia…

Interessante ver Denis Jenkinson na foto, como já destacado no comentário do Milton M. Bonini. Estou aproveitando as férias e tirando o atraso de algumas leituras. Entre elas, “All but my life Stirling Moss face to face with Ken W. Purdy”, 4a edição de Maio/1964, comprado de um sebo dos USA. Além da leitura fantástica, tem aquele cheiro adorável de livros feitos em bom papel, fechados por décadas. Terminei sua leitura anteontem. Anyway… lá pelas tantas, tem esta passagem, numa tradução livre e rápida:

Moss & Jenkinson, Brescia, 1955 Mille Miglia
QT
“A Mille Miglia de 1955 pela Mercedes-Benz, numa performance clássica,
uma das maiores corridas de automóvel que ocorerram. Não apenas isso, mas também foi provavelmente a mais bem reportada performance automobilística de todos os tempos, porque Denis Jenkinson, o co-piloto de Moss, é um jornalista preparado. Ex-campeão mundial de side-car, ele é tranquilo em qualquer velocidade. Ser passageiro em uma moto de
corridas, tombando de um lado para outro para equilibrar aquela carrocinha, andando por aí com seu queixo a dez centímetros do concreto, fará um homem tranquilo ou louco ou morto em pouco tempo. Jenkinson também é uma autoridade no comportamento dos automóveis em alta
velocidade, sabe exatamente o que está acontecendo sempre, e é um excelente escritor também.

Moss e Jenkinson durante a prova da Mille Miglia, 1955

Moss perguntou a Jenkinson se ele gostaria de correr a Mille Miglia porque ele acreditava que com alguém com o temperamento frio e inteligência de Jenkinson seria possível para um time não italiano vencer a corrida. A Mille Miglia era considerada como um monopólio
italiano, porque se pensava que nenhum outro piloto que não fosse italiano poderia conhecer bem a estrada. (Moss foi o primeiro inglês a jamais vencer esta corrida, e o segundo não-Italiano. Caracciola a venceu em 1931.) Na verdadeira pilotagem em alta velocidade, não é eficiente começar a fazer uma curva para só então olhar e ver se a pista
segue reta, ou vira para a direita ou para a esquerda. Se você não sabe para que lado a pista vai antes de vê-la, você será absurdamente lento, ou você vai se acidentar, e não há outra alternativa. Andando depressa pra valer, às vezes é necessário fazer uma curva para a direita com o carro apontando para a esquerda. Um italiano , como Piero Taruffi , que
venceu a prova em 1957, tendo dirigido o percurso Brescia-Roma-Brescia diversas vezes em seus cinquenta e quatro anos, sabia para que lado a estrada ia. Ele era também famoso piloto de subidas de montanha. Moss chegou à conclusão que nem ele nem Jenkinson nem nenhum outro inglês poderia memorizar mil milhas de estradas italianas – mas ele achava que
poderia ser possível fazer um mapa de mil milhas de estrada, se ele pudesse achar um homem frio o suficiente para se sentar ao lado dele, ler o mapa, e dizer a ele, antes de cada curva, toda irregularidade napista, toda ponte, de que jeito a estrada era adiante.

Moss e Neubauer após a vitória da Mille Miglia

Moss e Jenkinson fizeram o percurso treinando diversas vezes, destruíram dois carros (um deles contra um caminhão do exército italiano cheio de munições), e anotaram toda a rota numa tira de papel de mais de cinco metros de comprimento, que foi enrolada dentro de uma caixa de plástico. Eles combinaram alguns sinais com as mãos, uma vez que a Mercedes-Benz 300 SLR com a qual eles estariam correndo era um carro aberto, e conversar seria impossível com o barulho do motor e do vento. Um sinal poderia significar : ” Curva para a direita, pé em baixo em terceira marcha, estrada reta depois.” Pela constante referência às placas de quilometragem , pontes, igrejas, até mesmo casas em cores que se destacavam, Jenkinson realmente fez a navegação do carro – ele sabia com uma margem de poucos metros onde eles estavam a qualquer momento. Na prática, Moss desenvolveu tamanha confiança em Jenkinson que ele podia, durante a corrida, aceitar o sinal de Jenkinson que a estrada seguiria reta após uma curva cega à frente; ele podeira manter seu pé firme no fundo , ir sobre um morrete a 270 km/h , deixar o carro voar por uns 40 metros, e continuar tocando adiante. Eles passaram por cidades a 200-240 km/h! Estavam dando entre 90 e 100% por todo o tempo, absolutamente pé em baixo, sem mais nada para ir além. Jenkinson relatou sobre
ultrapassarem aviões que voavam baixo; de Moss , descendo um morro forte de pé embaixo em 3a marcha, mudando para 4a e mantendo a aceleração total. “Tinha que ser um homem corajoso para fazer aquilo…”, ele escreveu depois. Jenkinson se queimou com o câmbio quente, as forças G nas curvas o fizeram vomitar; ele perdeu seus óculos para fora do carro com a força do vento, mas em 10 horas, 7 minutos e 48 segundos da pilotagem em estradas mais veloz que alguém já havia feito desde que o automóvel foi inventado, ele não fez nenhum erro e apenas deixou de dar um sinal, quando um tanque cheio transbordou fazendo escorrer combustível por suas costas. Depois, ele achou extremamente difícil
expressar sua admiração pelo domínio que Moss teve, cruzando por toda a Itália, sobre um dos carros de rua mais velozes que existiam. Numa carta para mim depois que ele leu um artigo que fiz sobre Moss para uma revista, Denis Jenkinson escreveu: “…eu também acho que Moss é o melhor piloto, e um gênio…”

Moss, o retrato da vitória da Mille Miglia, em maio de 1955

E quanto à Moss, ele disse: “Eu poderia ter completado a prova sem o Denis Jenkinson, apesar de eu duvidar disso, mas eu não poderia ter vencido sem ele”. (Mais tarde ele me disse: ” Uma coisa interessante, Denis me disse que como ele sabia não ser capaz de manejar a 300 SLR naquelas velocidades, que isso era estranho à sua experiência e além de
suas capacidades, ele não teve medo; mas se eu estivesse guiando um Porsche, que ele conhece, que ele mesmo pode guiar muito bem, ele teria tido muito medo. E por mim, nenhum dinheiro, nada, me convenceria a sentar por 10 horas num carro com outra pessoa dirigindo a 270 km/h passando por curvas cegas. Fico assustado só de pensar nisso!”)
Um bravo, esse Denis Jenkinson.”
[youtube]zIr7JKL2A-A[/youtube]
Belo texto, compadre Paulo. Desfrutamos mais uma passagem da história desses monstros sagrados…
LS(reprodução)

Luiz Salomão

Blogueiro e arteiro multimídia por opção. Dublê de piloto do "Okrasa" Conexão direta com o esporte a motor!

22 comentários em “BRESCIA, 1955, Mille Miglia…

  • 19 de agosto de 2008 em 21:55
    Permalink

    Fantastico Saloma!!

    Esta prova da Mille Miglia talvez tenha sido a mais famosa e com certeza foi é uma reportagem classica ,a maior delas assinada por Denis Jenkinson.

    As Ferraris encontraram muitos problemas com os pneus com Taruffi e principalmente com Castelloti que imprimia um ritmo muito forte no começo da corrida ,segundo Jenkinson ,quando eles foram ultrapassados pelo italiano dava para ver que a Ferrari soltava pedaços de pneu e não iria muito longe .

    O mais incrivel foi talvez a performace de Fangio que correu sozinho na outra Mercedes e em determinado momento da prova se aproximava de Moss até ter problemas com o carro.

    Resposta
  • 19 de agosto de 2008 em 21:55
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    Fantastico Saloma!!

    Esta prova da Mille Miglia talvez tenha sido a mais famosa e com certeza foi é uma reportagem classica ,a maior delas assinada por Denis Jenkinson.

    As Ferraris encontraram muitos problemas com os pneus com Taruffi e principalmente com Castelloti que imprimia um ritmo muito forte no começo da corrida ,segundo Jenkinson ,quando eles foram ultrapassados pelo italiano dava para ver que a Ferrari soltava pedaços de pneu e não iria muito longe .

    O mais incrivel foi talvez a performace de Fangio que correu sozinho na outra Mercedes e em determinado momento da prova se aproximava de Moss até ter problemas com o carro.

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  • 20 de agosto de 2008 em 08:08
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    Em 54, a Mille Miglia italiana junto com as Liège-Roma-Liège, Tour de France e Carretera Mexicana eram as últimas representantes das grandes provas de estradas, ou raids, muito comuns na primeira metade do século passado. Não nos esqueçamos que uma das primeiras grandes corridas do mundo foi uma Maratona entre Londres e…Pequim!
    O Jenkinson, sem dúvida, foi o precursor da moderna navegação em ralis ao inventar o método da anotação detalhada de pontos de referencia, etc,e o grande gancho foi o rolinho de papel que ia se desdobrando á medida do desenrolar da prova, método até hoje utilizado nos modernos equipamentos de rali, principalmente nas motos.

    Obrigado ao Paulo por compartilhar conosco este maravilhoso material.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 08:08
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    Em 54, a Mille Miglia italiana junto com as Liège-Roma-Liège, Tour de France e Carretera Mexicana eram as últimas representantes das grandes provas de estradas, ou raids, muito comuns na primeira metade do século passado. Não nos esqueçamos que uma das primeiras grandes corridas do mundo foi uma Maratona entre Londres e…Pequim!
    O Jenkinson, sem dúvida, foi o precursor da moderna navegação em ralis ao inventar o método da anotação detalhada de pontos de referencia, etc,e o grande gancho foi o rolinho de papel que ia se desdobrando á medida do desenrolar da prova, método até hoje utilizado nos modernos equipamentos de rali, principalmente nas motos.

    Obrigado ao Paulo por compartilhar conosco este maravilhoso material.

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  • 20 de agosto de 2008 em 15:48
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    Legal, Paulo.
    Porscheiro, piloto, viajante privilegiado e leitor voraz.
    Só falta a peruca pra me apaixonar.
    Brincadeirinha, brincadeirinha…
    Bicha véia aqui só o Saloma, e ele tambem é de pouca têlha.
    Abraços machos aos dois.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 15:48
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    Legal, Paulo.
    Porscheiro, piloto, viajante privilegiado e leitor voraz.
    Só falta a peruca pra me apaixonar.
    Brincadeirinha, brincadeirinha…
    Bicha véia aqui só o Saloma, e ele tambem é de pouca têlha.
    Abraços machos aos dois.

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  • 20 de agosto de 2008 em 17:53
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    Paulo,
    Parabéns pelo magnífico texto. Faço minhas as palavras elogiosas dos amigos acima.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 17:53
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    Paulo,
    Parabéns pelo magnífico texto. Faço minhas as palavras elogiosas dos amigos acima.

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  • 20 de agosto de 2008 em 18:48
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    Foi possível viajar no tempo para entender um pouco mais de gente que realmente fez história… coisa de louco! Show!

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 18:48
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    Foi possível viajar no tempo para entender um pouco mais de gente que realmente fez história… coisa de louco! Show!

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  • 20 de agosto de 2008 em 19:12
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    Essa corrida foi épica mesmo. O Fangio chegou perto, mas teve um problema de perda de centelha. Aliás, não foi a melhor MM do Fangio. A melhor foi aquela que ele correu de Alfa Romeo chegando em segundo. O detalhe é que o a caixa de direção quebrou e ele correu um enorme trecho e até o final com apenas uma roda esterçando.

    Os italianos comuns sempre comentam que o Moss ganhou porque correu com um padre rezando o tempo todo. Eles viam o Jenkinson de barba lendo em voz alta o que pensavam ser uma bíblia ou coisa que o valha.

    Pouco comentado, mas feito de igual envergadura foi o do John Fitch, o americano que inventou esses muros deformáveis dos ovais. Correu com uma 300SL tendo como companheiro um jornalista alemão que nunca tinha andado forte. Chegaram em primeiro na categoria e segundo na geral (talvez terceiro, não lembro) com o alemãozinho gritando Mein Gott desesperadamente o tempo todo.

    Ambas histórias estão no exemplar de Maio de 2005 da Motorsport.

    Se o Saloma quiser posso enviar as páginas do relato original do Dennis Jenkinson.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 19:12
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    Essa corrida foi épica mesmo. O Fangio chegou perto, mas teve um problema de perda de centelha. Aliás, não foi a melhor MM do Fangio. A melhor foi aquela que ele correu de Alfa Romeo chegando em segundo. O detalhe é que o a caixa de direção quebrou e ele correu um enorme trecho e até o final com apenas uma roda esterçando.

    Os italianos comuns sempre comentam que o Moss ganhou porque correu com um padre rezando o tempo todo. Eles viam o Jenkinson de barba lendo em voz alta o que pensavam ser uma bíblia ou coisa que o valha.

    Pouco comentado, mas feito de igual envergadura foi o do John Fitch, o americano que inventou esses muros deformáveis dos ovais. Correu com uma 300SL tendo como companheiro um jornalista alemão que nunca tinha andado forte. Chegaram em primeiro na categoria e segundo na geral (talvez terceiro, não lembro) com o alemãozinho gritando Mein Gott desesperadamente o tempo todo.

    Ambas histórias estão no exemplar de Maio de 2005 da Motorsport.

    Se o Saloma quiser posso enviar as páginas do relato original do Dennis Jenkinson.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 19:20
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    Zulino…pode mandar!
    Gracias,
    LS

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 19:20
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    Zulino…pode mandar!
    Gracias,
    LS

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 23:39
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    Commendatore Ceregatti,
    grato pelo reconhecimento. Ainda bem que sou careca!!!
    Quanto a leitor voraz…. duro é ter tempo de ler tudo de bom que tem por aí, além é claro das obrigatórias e inadiáveis leituras profissionais. Hoje chegaram pelo correio duas jóias para os automobibliomaníacos: “The Art and Science of Grand Prix Driving” de um tal de Niki Lauda, e “The racing Porsches” do Paul Frère. Só folheando os dois já dá vontade de varar a noite lendo. Depois – daqui a um ano…. – quando tiver lido, comento por aqui.

    Roberto Zullino
    que bom ver mais um louco que paga rindo R$66 por uma revista… Dá para viver sem Veja, etc…. Mas sem Motorsport não dá. E conforme comentado já com o Saloma em outras ocasiões: Depois que o Nigel Roebuck está lá, mais imperdível ainda.
    (‘a propósito… o livro do Niki Lauda mencionado acima e o “All but my life” origem do post são recomendações do Nigel Roebuck.

    Resposta
  • 20 de agosto de 2008 em 23:39
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    Commendatore Ceregatti,
    grato pelo reconhecimento. Ainda bem que sou careca!!!
    Quanto a leitor voraz…. duro é ter tempo de ler tudo de bom que tem por aí, além é claro das obrigatórias e inadiáveis leituras profissionais. Hoje chegaram pelo correio duas jóias para os automobibliomaníacos: “The Art and Science of Grand Prix Driving” de um tal de Niki Lauda, e “The racing Porsches” do Paul Frère. Só folheando os dois já dá vontade de varar a noite lendo. Depois – daqui a um ano…. – quando tiver lido, comento por aqui.

    Roberto Zullino
    que bom ver mais um louco que paga rindo R$66 por uma revista… Dá para viver sem Veja, etc…. Mas sem Motorsport não dá. E conforme comentado já com o Saloma em outras ocasiões: Depois que o Nigel Roebuck está lá, mais imperdível ainda.
    (‘a propósito… o livro do Niki Lauda mencionado acima e o “All but my life” origem do post são recomendações do Nigel Roebuck.

    Resposta
  • 21 de agosto de 2008 em 00:34
    Permalink

    é isso aí. Couldn’t agree more. A entrevista (sem vinho e com café) com o Keke Rosberg também foi ótima. Junto com a do Gordon Murray, realmente as melhores.
    Eu assinei por um bom tempo… dei uns 2 anos de coleção para um amigo conhecido aqui da turma, que com certeza merece – ou merece estar lá nas páginas, desde que no almoço entrevista com ele houvesse omelete no cardápio… mas nos últimos anos, compro na banca….. folheando antes para ver se o recheio está valendo a pena. Dificilmente não vale.
    Abraço
    Paulo

    Resposta
  • 21 de agosto de 2008 em 00:34
    Permalink

    é isso aí. Couldn’t agree more. A entrevista (sem vinho e com café) com o Keke Rosberg também foi ótima. Junto com a do Gordon Murray, realmente as melhores.
    Eu assinei por um bom tempo… dei uns 2 anos de coleção para um amigo conhecido aqui da turma, que com certeza merece – ou merece estar lá nas páginas, desde que no almoço entrevista com ele houvesse omelete no cardápio… mas nos últimos anos, compro na banca….. folheando antes para ver se o recheio está valendo a pena. Dificilmente não vale.
    Abraço
    Paulo

    Resposta
  • 21 de agosto de 2008 em 11:15
    Permalink

    Belo texto, muito bacana otimo de ler…

    Resposta
  • 21 de agosto de 2008 em 11:15
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    Belo texto, muito bacana otimo de ler…

    Resposta

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